Até há 25 anos atrás, a indústria do calçado era um dos pilares da economia portuguesa. Mais de 1200 fábricas espalhavam-se por diversas regiões ao longo do país onde pólos como Felgueiras, São João da Madeira e Benedita dependiam em grande parte da criação de riqueza e dos postos de trabalho gerados pelo calçado. A indústria florescia graças à elevada qualidade do produto português sustentada no conhecimento técnico e domínio da gestão ao nível do chão de fábrica. Era uma gestão taylorista e essencialmente voltada para dentro da fábrica. A principal preocupação dos empresários e gestores era a produção. Produzir cada vez mais, com a melhor qualidade e os melhores preços eram o único objectivo. Assim, a indústria portuguesa rapidamente foi reconhecida internacionalmente pela sua óptima relação qualidade/preço.
Estas fábricas não vendiam o seu produto. Era o cliente que lhes comprava. Eram as grandes marcas europeias e americanas que chegavam com os seus engenheiros de produto, os seus designers, os seus materiais, técnicas e modelos e trabalhavam em parceria com os fabricantes portugueses a quem entregavam as encomendas.
Assim fortaleceu-se um sector que não conhecia o cliente que usava os seus produtos, não conhecia os seus hábitos, desejos e preferências; não conhecia o canal de distribuição; não tinha design nem marca própria; não tinha estratégia de marketing; não sabia vender!
Com a abertura do mercado a oriente, marcas como a Rockport, Kickers, Timberland, Adidas, Clarks e muitas outras gradualmente diminuíram as suas encomendas às fábricas portuguesas para as entregar a fábricas na Indonésia, na Índia e na China.
Este facto provocou uma forte crise no sector, o que levou os fabricantes, o governo e suas instituições e ainda as associações empresariais a procurar diferentes estratégias e tácticas para encontrar um novo caminho para a capacidade de produção de qualidade instalada em Portugal.
Um caso que conheci de perto e que frequentemente cito nos meus cursos de marketing é o da CALZEUS, uma de tantas outra fábricas tradicionais que agonizavam tentando encontrar uma fórmula que lhe permitisse sobreviver em águas tumultuosas.
Trata-se de uma pequena fábrica de calçado convencional na região de Felgueiras que como tantas outras de repente viu-se na obrigação de adquirir uma atitude proactiva, agora obrigada a promover e vender os seus produtos no mercado. Mas qual mercado? Qual produto? Como chegar até ao cliente? Quem é o cliente?
José Neves filho dos proprietários da Calzeus, abandona o seu curso de Economia e após uma passagem pelo curso de Estilismo do CFPIC, convence os pais a seguirem um caminho inovador, desconhecido e perigoso. Cortar radicalmente com tudo o que a empresa tinha feito até ali, aproveitar o seu maior património – know how industrial – e desenvolver uma estratégia sustentada numa marca própria, num design provocador, numa cultura alternativa e num nicho de mercado com expectativas e emoções por satisfazer.
Foi uma estratégia arriscada. Significava trilhar um caminho novo, algo que nunca antes tinha sido feito. Não havia como medir, prever ou comprovar a validade da estratégia a seguir. Não
imaginam como foi difícil para o pai, industrial tradicional, acreditar na estratégia rebelde de José Neves. Mas acabou por acreditar, deu toda a força e participou com todo o seu conhecimento técnico.
A SWEAR, marca criada por José Neves e um sucesso mundial, está presente em 35 países, através de lojas franchisadas e de lojas próprias em cidades como Londres, Tóquio, Hong Kong ou Moscovo. Satisfaz as emoções e encanta um segmento alternativo, dos que apreciam a cultura e a música alternativa. Forneceu o calçado para o filme Star Wars, para as Spice Girls, REM e muitos outros nomes do mundo da moda e do espectáculo. O seu produto tem um preço três vezes superior ao preço de mercado e a produção quintuplicou.
Muitas outras fábricas maiores e menores e mesmo com importantes vantagens competitivas quando comparadas à Calzeus, sucumbiram. Milhares de empresas - directas e indirectas - fecharam! Milhares de operários qualificados ficaram sem emprego. Muitos colegas de José Neves no seu curso de estilismo estão hoje em empregos que nada têm a ver com estilismo e design de calçado. A SWEAR de José Neves venceu e conquistou o mundo.
A Chave
- Estratégia de gestão orientada para o design
- Criatividade e Inovação com vista ao encantamento do cliente
- Estratégia de marketing focada no segmento-alvo
- Diferenciação através de marca própria
- Implantação global (num nicho) e não uma estratégia doméstica
- Marca significa definir tendências e não segui-las
- Produto (calçado) é mais do que isso - é um conceito, um estilo de vida
- Rede de subcontrados locais e na Ásia (Vietname e Coreia do Sul)
- Know how adquirido em todas as fases da cadeia de valor do calçado
- Marketing interactivo e Feedback dos clientes através de loja própria em Londres (capital da moda alternativa) e pela Web
- Criação de uma comunidade de fãs através da Web (a “tribo Swear”) e de lojas de culto franchisadas
- Estender a marca “alternativa” à roupa e acessórios
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